20 de junho de 2010

Saramago e as intermitências da morte

Ontem à noite, fui até à Câmara Municipal de Lisboa para te desejar boa viagem. Foi a segunda vez que o meu sentir me levou a "despedir" de uma pessoa como tu, digamos ... uma figura pública, que teve importância na minha história. Ao contrário de Ti eu acredito que a morte não é o fim. O que não deixa de ser caricato, se parar para pensar na primeira obra tua que li. Nem sempre me foi fácil, ler-te. Como em tudo, é necessário aprender. E eu, bem eu, demorei o meu tempo. Não sei se muito, se pouco. Não importa. O excerto abaixo, é parte do teu primeiro livro que li, de fio a pavio, sem me interromper com outras leituras pelo meio, como era meu costume, cada vez que desfolhava e percorria com os olhos as palavras que de forma genuína nos ofertavas. Ao contrário de tantos outros, eu, admirei primeiro o Homem de convicções e rectidão moral. Apaixonei-me pela tua história de Amor com a Pilar. E recordo com carinho e ternura as palavras que disseste: "Se eu tivesse morrido antes de conhecer a Pilar, teria morrido muito mais velho". Lindo não é? Mais do que beleza, as palavras verbalizadas demonstram o poder do Amor. E ao Amor, não importa a idade, o credo ou nacionalidade. Tal como tu, o Amor requer Universalidade.



"Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu."
(In, as Intermitências da Morte, José Saramago, página 214)

Rodapé 1: Ontem, ao olhar para a Pilar fiquei comovida com o seu ar sereno e doce.
Rodapé 2: Alguém disse que a melhor forma de te prestar homenagem é ler os teus livros. Yeap, já ali tenho "Caim" :-)
Rodapé 3: Escolhi a fotografia acima, porque é reveladora de afectos... o sorriso, o abraço, o semblante terno.
Rodapé 4: Não me vou, sem dizer que a tal ausência de que se falou veio mais uma vez comprovar que o dito representante dos portugueses, não é, (pelo menos para mim).

6 comentários:

Anónimo disse...

Essa frase em que Saramago fala de Pilar é realmente reveladora do amor que nutria por ela, até para mim que sou um céptico.

Até aposto que sei a que outra figura foste prestar homenagem.

Ah e para não variar, escreves bem e com alma

Joseph

CJ Green disse...

Creio que sabes (A. ...)

Anónimo disse...

Há muito que não te vejo, mas leio-te.
Como calculas fiquei mais pobre. Eu, que o adorava.

Mané

Anónimo disse...

.... C...!

Beijo

Joseph

CJ Green disse...

Joseph,

A.C.! Temos que reconhecer fica no mínimo sui generis. Tipo before christ .-)

CJ Green disse...

Mané,

Eu sei o quanto admiravas Saramago, falamos várias vezes acerca dele e da sua escrita.
É bom saber que me vais continuando a ler :-)

Beijo grande amiga.